275 - PEPE

Poderá ter sido pela inconsciência dos 18 anos de idade, mas logo na estreia na primeira equipa do Belenenses, Pepe encaminhou-se para aquilo que acabou por caracterizar a sua curta carreira, isto é, a queda para o sucesso. O jogo, frente ao Benfica, revelou, a 15 minutos do fim, os “Azuis” a perder por 4-1. Depois de, para grande espanto de todos, terem conseguido empatar, já nos instantes finais do encontro foi assinalada uma grande penalidade a favor dos da “Cruz de Cristo”. Enquanto todos se encolhiam com a perspectiva de serem chamados à execução do castigo, o avançado agarrou na bola, assumiu a responsabilidade perante o capitão Augusto Silva e nem o facto de estar em pleno Campo das Amoreiras, a casa das "Águias", fez com que errasse o alvo.
Transformado o referido castigo em golo, Pepe, nesse mesmo instante, começou a erguer o próprio mito, que, ainda nesse ano de 1926 e por razão da chamada aos trabalhos da Selecção Nacional, cresceu de forma exponencial. Mais uma vez, que grande estreia! Apesar de ocupar a posição de extremo, o jogador, com uma aptidão excepcional para finalizar, marcou 2 golos frente à França e ajudou à vitória lusa por 4-0. Outros foram os momentos a alimentar essa veia goleadora. Como exemplo, marca que é recorde nas provas oficiais portuguesas, surgem à cabeça os 10 remates certeiros contra o Bom Sucesso ou, ainda nessa temporada de 1929/30 do Campeonato de Lisboa, os 36 golos concretizados durante as 14 jornadas da prova.
Em 1928 Pepe disputou os Jogos Olímpicos em Amesterdão. Na cidade holandesa revelou-se ao Mundo como um exímio atacante. Nele juntavam-se a velocidade, as fintas, o remate certeiro e, principalmente, uma enorme vontade. Muito escreveram sobre ele, mas nada melhor para o caracterizar do que as palavras de um outro grande nome do futebol nacional, Severiano Correia – “Era de facto um jogador extraordinário! Irrequieto e franzino, dentro do rectângulo era um elemento que chamava as atenções do público. Chutador por excelência, de uma combatividade extraordinária, constituía perigo para qualquer defesa, por muito valiosa que fosse. Era o menino mimado das gentes de Belém, de tal modo que nem com uma rosa se lhe poderia bater — expressão do seu mestre Artur José Pereira”*.
Era já um ídolo das massas quando, a 24 de Outubro de 1931, a tragédia bateu à sua porta. Numa manhã, como outra qualquer para ele, depois de ir para o local de trabalho, as Oficinas da Aviação Naval em Belém, Pepe desembrulhou um pão com os restos do jantar do dia anterior. Ainda partilhou a merenda com o gato que ali era a mascote e foi o bicho, ao morrer, que deu o primeiro sinal da desgraça a avizinhar-se. Com fortes dores abdominais, Pepe foi rapidamente conduzido ao hospital. Contudo, o corpo médico, face às fortes hemorragias que dilaceravam o atleta, viram-se impotentes e o jovem futebolista acabou por falecer, segundo o relatório forense, devido a envenenamento. Ao que parece, a mãe, num equívoco que só não foi mais fatal porque ela e os seus outros filhos conseguiriam sobreviver, acidentalmente trocou bicarbonato por potassa, adicionando o químico à comida por todos ingerida.
Ao funeral no Cemitério da Ajuda, dizem ter comparecido mais de 30 mil pessoas. Muitas foram as homenagens que se seguiram, como o Estádio das Salésias baptizado com o seu nome - José Manuel Soares. Por Leopoldo de Almeida, foi ainda esculpido o baixo-relevo que agora figura no Estádio do Restelo. Porém, mais do que tudo, as saudades deixadas entre adeptos e colegas fizeram dele, e farão para sempre, uma das grandes lendas do desporto português.

*retirado de “O Século XX do Desporto”, de António Simões e Rui Dias, 2001, edição “A Bola”

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